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Foto do escritorRafaela Chor

Ensaio sobre o mar e a morte

Não há nada de novo sob o mar. Apenas uma multidão de pessoas que se afogaram em seus próprios pensamentos e se transformaram em nada mais do que partículas de água.


Gente que pede socorro, que busca por uma chance de viver novamente tendo desperdiçado a primeira tentativa olhando para o chão, ao invés do horizonte.


Pessoas incrédulas que a vida passou tão rápido após os 30. Que não se conformam de terem pensado que a chuva servia apenas para sujar seus carros e não banhar as árvores.


O mar é repleto de pessoas arrependidas. De vozes mudas querendo dar o grito de libertação, mas acontece que debaixo d’água, o som não se propaga com a mesma intensidade que o vento.


O poder que tem a morte é surreal. Faz com que pensemos em tudo o que poderíamos ter feito de forma diferente antes de partirmos dessa para uma melhor, ou pior, ou então para o nada, segundo os céticos.


Se tem uma lição que a morte me ensinou mesmo sem ter morrido, é que as pessoas que ficam são as que mais sofrem. Pensar no legado que você quer deixar para elas é a coisa mais importante que você pode fazer, depois de pensar no legado que você quer deixar para si mesmo.


Algo que me ajuda é pensar que eu mesma estou me observando em terceira pessoa. Narrando a minha própria vida, e falar em voz alta ou pensar que estou sendo lida como uma personagem de um livro faz com que eu me porte de maneira diferente.


Não sei o que é, mas me faz entender que a vida não é feita só do meu ponto de vista. Pessoas se observam e se escutam. O bom dia que você não deu hoje para o porteiro ou para a moça que passou ao seu lado com o cachorro na rua podem ser o ponto de partida para que eles também parem de dar bom dia com o passar do tempo.


A sua atitude influencia a todos. Se você sorri para quem anda em sua direção na rua, aquela pessoa também pensará mais vezes em sorrir, caso ela não tenha sorrido por ter sido pega de surpresa na hora.


Não é questão de fingir um comportamento que não é seu, é sobre construir um ambiente mais saudável para quem você quer deixar esse mundo após a sua partida.


Se você quer fazer a diferença no oceano, seja a virada de chave para aqueles que estão a uma gota d’água para se entregarem para a depressão. Essa gota faz toda a diferença para quem está prestes a entrar no mar com passagem só de ida.


O grito silencioso daqueles que passaram a vida toda em verborragia merece ser escutado, porque eu tenho certeza que o que sairá de suas bocas será uma mensagem de arrependimento e de socorro.


Muitas vezes, vivemos falando mais alto que os outros com medo de não sermos ouvidos, mas quem fica em silêncio, quem escuta e quem age para ajudar é quem mais é notado.


Existe uma coisa sorrateira que nos abraça os pés passando a sensação de conforto e de estabilidade, mas na verdade é uma prisão da qual você não sente que precisa sair tão cedo.


Cuidado.


Essa raiz que você cria te deixa pendurado de cabeça para baixo num penhasco esperando a hora de você parar de lutar e se entregar para um mergulho único no oceano.


Não me entenda errado, o mar não é nosso inimigo, mas a maneira como você adentra ele é o que importa. Existem formas saudáveis de se banhar, mas lembre-se de mergulhar e sair nadando até a costa.


Muitas pessoas sentem que precisam ter a água até o pescoço para se sentirem protegidos e envolvidos, mas isso é o que leva a afogamentos acidentais.


Eu entendo que viemos da água, vivemos por 9 meses na placenta e a sensação da água quente nos remete a esse período de gestação. Onde éramos cuidados o tempo todo, sem preocupações e sem dores de cabeça. 


Meu único pedido é que tenhamos cuidado. Que nós possamos molhar os pés sem prendê-los em algas. Que possamos plantar em terra firme atitudes que transformem o dia de alguém que precisa sem você nem saber o que se passa na cabeça dessa pessoa.


Sejamos salva-vidas daqueles que nem conhecemos, porque quanto mais você ajuda o outro, mais você se ajuda, mais você cria hábitos que deixarão uma mensagem depois que partir.


Eu já cheguei muito perto de mergulhar e tocar o fundo do oceano, e posso te garantir que se eu o tivesse feito, teria perdido muita coisa preciosa que hoje eu valorizo.


Não que eu não valorizasse antes, mas agora minha visão é diferente, eu simplesmente tenho vontade própria de voltar à areia. Antes eu não tinha.


Me ajuda pensar que cada grão de areia é algo que eu perderia se decidisse não voltar mais. São areia família, amigos, natureza, animais de estimação, são areia até aqueles bens materiais que lutamos para conseguir.


Areia que prende os nossos pés e nos aquece da água fria na qual acabamos de nos banhar. Areia é âncora. 


Você é areia para alguém. Nunca se esqueça disso.







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