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Ensaio sobre o luto

  • Foto do escritor: Rafaela Chor
    Rafaela Chor
  • 10 de mai. de 2024
  • 3 min de leitura

Hoje eu senti a sua falta. Quero dizer, venho sentindo nos últimos 242 dias. Parece que nada do que eu deveria ter aprendido nesse tempo eu absorvi. De forma alguma quero dizer que isso é sua culpa, muito pelo contrário, meu amadurecimento um tanto tardio é o maior culpado neste caso de inconstâncias de sentimentos.


Quando digo que você se encontra viajando por aí, eu não minto. Eu realmente acredito que você esteja conhecendo novos lugares e que deve estar anotando tudo em um post it para que eu possa lembrar de conhecer depois quando nos encontrarmos.


Sabe, meu bem, a vida tem se tornado mais difícil a cada respiro que meus pulmões dão de maneira involuntária, sabendo que estão sempre uma tragada a menos de perdurar neste mundo.


Eu quis te escrever porque acredito que você não tem mantido contato o suficiente nestes últimos tempos. E quando afirmo que sinto a sua falta, é porque cada parte de mim se  despedaça pensando que estou gastando meu tempo contando carros na janela quando deveria estar em um deles com você indo para qualquer lugar que não aqui.


Esta cidade sempre foi pequena para nós duas e você sabia muito bem disso até o momento em que foi embora. Eu ainda não contei para a minha mãe que manchamos o tapete dela com vinho barato, apenas virei do avesso e esperei pelo pior. Que por sinal, nunca veio.


Parece que depois que você se foi, as coisas têm perdido um pouco da força. O que antes era caso de gritos e berros implicando com o jeito que levávamos a vida, agora se tornou silêncio.


Lábios emudecidos que fazem questão de pontuar que você não está mais aqui e eu, sinceramente, me assusto com o barulho ensurdecedor do “nada”.


O amanhecer, agora tardio, me faz pensar que o mundo anda com uma certa preguiça de existir e, para ser bem sincera, eu também ando. Eu não sei desde quando isso começou a acontecer, mas tudo foi se normalizando pelas ruas e avenidas, como se todos participassem de um pacto onde lamentassem a sua ida.

Mas, hoje eu me despedi de você. Não sei quantas vezes já fiz isso, mas passei nos seus lugares favoritos e onde você costumava pegar o ônibus 437 para ir para a minha casa.


Essa é a minha forma de dizer “até breve”. Você sabe que eu nunca fui muito boa com as palavras e sempre demonstrei meu afeto na linguagem composta por ações. 


Hoje eu agi, meu bem. Na verdade, eu reagi. Depois de ter ido até esses lugares, eu sentei para tomar meu sorvete favorito na padaria da esquina e comecei a reler meu livro predileto. 


Fui ao cinema sozinha e ri. Meu bem, eu gargalhei com aquele filme engraçado que nós sempre dizíamos que íamos ver, mas nunca demos tempo para que isso acontecesse.


Foi a primeira vez que ri em 242 dias e considerei isso um marco especial na minha trajetória. Eu tenho quase certeza de que te ouvi gargalhar também ao meu lado, mas quando olhei, não havia nada além de pipocas e caroços de milho soltos no assento sujo.


O que quero dizer é que eu descobri que é possível rir depois da sua ida, o que eu achava que era impossível. Pensei que nunca mais iria conseguir mostrar os dentes para quem quisesse vê-los por curiosidade de saber se eu era capaz de sentir novamente.


Eu senti, e ainda sinto.



 
 
 

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