Despedida
Hoje eu me despeço dela. De toda a fagulha que queimava o meu peito por tanto tempo. De toda a cor que transbordou e que endureceu como cera fria que puxa os pelos da pele.
⎼ Basta.
Não será mais necessário me acompanhar, como ela costumava fazer quando eu buscava algo novo. Já não será mais preciso tecer suas teias para me “proteger” como ela fazia por todo esse período em que estivemos juntas.
Hoje eu não consigo mais olhar para ela com os mesmos olhos inocentes que buscavam no seu peito um conforto que nunca tive em lugar algum. Continuei não o tendo.
Na verdade, eu até tive por um tempo, mas com o passar dos anos, parece que o abraço dela ficou cada vez mais forte, até me privar de cada respiro necessário para que eu conseguisse me manter viva.
Eu fui natureza morta ao lado dela e não há quem negue isso. Pessoas olhavam para meus olhos, me perguntavam se estava tudo bem e eu simplesmente dizia:
⎼ Claro, estou ótima.
Quando, na verdade, ela estava impregnada até em minhas cordas vocais, deturpando qualquer mensagem que eu tentasse emitir naquele momento.
Ela me roubou a fala, me roubou do meu próprio toque, me fez acreditar que ao seu lado eu teria a maior segurança que alguém poderia imaginar. Eu nunca me senti tão violada e, ao mesmo tempo, tão abrigada de tudo o que, em nossas mentes, poderia me fazer mal.
Só que tudo aquilo de que estávamos me privando eram amigos, família, e relações que poderiam ter sido uma jornada muito mais saudável para mim.
Concluí que não é porque te abriga que necessariamente esteja te protegendo do que é ruim. Muita gente quer te proteger do que é bom, porque o que é benéfico para você, causa a dor nelas.
E quando eu falo sobre essa dor, não quero dizer a dor de ferir os sentimentos, e sim a dor da inveja e da possessão, que quer te colocar em gaiola e esperar que você cante do mesmo jeito que cantava quando estava livre no parque.
O canto muda, até a cor da pele muda. Eu não via o sol, eu sempre fui uma pessoa que amava estar do lado de fora e, desde que começamos a nos relacionar, eu comecei a ficar em casa, sem ver o verde, sem cheirar as flores e sem andar com minhas próprias pernas.
Eu virei refém do amor, e isso é algo que ainda não entra na minha cabeça. Como pode alguém se dizer amar tanto e apertar com força até causar dor?
É o mesmo que segurar um passarinho em mãos quando está machucado, cuidá-lo até que ele se recupere e esperar que ele viva com você para sempre.
Um passarinho precisa voar. Eu precisei voar, mesmo com as asas um tanto quebradas. Hoje, eu espero me recuperar da queda do ninho que vim construindo nos meus vinte e tantos anos. Ninho este de autocuidado, de amor e de afeto por mim mesma.
Ninho este que nunca deixou de existir e nunca deixará, mesmo que o me retirem dele. Ele está ligado feito cordão umbilical, o laço é invisível, porém potente.
Dane-se quem te roube de si mesma, o furto é apenas uma ilusão. Ninguém é potente o suficiente para lhe podar as raízes.
Você é natureza e está por todos os cantos, não importa se é dentro de casa ao lado de quem não te reconhece como uma.
Lembre-se de que as plantas conseguem crescer seguindo pequenos feixes de luz. Quando alguém lhe estender a mão, este é o seu caminho de volta para o ninho. Através de pessoas que te olham nos olhos e perguntam se está tudo bem, se você andou comendo e se gostaria de dar uma volta.
Pessoas assim são como anjos em nossas vidas que chegam para trazer a esperança de que talvez o mundo possa girar feito mundo novamente, porque viver estacionada no abraço de alguém pode não ser a melhor alternativa.
O abraço conforta, mas se chegar ao ponto de lhe roubar o ar, esta é a hora da despedida.
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