Solo
Por que você parou de cantar?
Eu sinto que andei cantarolando sozinha melodias presas em minha cabeça, assobiando trechos dos quais mal lembro, mas eu sei que você conhece.
Tenho dificuldade agora em lembrar o caminho para casa, já que as músicas faziam parte do trajeto e elas têm escapulido da minha memória.
Me lembro de flertar com os timbres e diferentes notas enquanto você se emaranhava em mim fazendo a primeira voz.
Nós performávamos o nosso show para os pássaros que comiam migalhas de pão na calçada da padaria, para os casais de velhinhos jogando xadrez na praça e para quem quisesse ouvir, ou não tivesse escolha senão ouvir por simplesmente cruzar nosso caminho.
A vida era mais simples quando você cantava. Era muito mais fácil chegar nos lugares quando tinha a sua voz para me guiar. Agora tudo me parece um breu.
Quando chego a algum lugar, vejo que é um beco sem saída, ou que cheguei a lugar algum.
Eu também ando precisando confiar mais na minha própria voz e entender que ela mesma pode performar sozinha sem que o mundo me tire as forças das cordas vocais.
Ando com medo do palco. Antigamente, eu tinha tesão em performar, em me entregar dos pés à cabeça aos refletores que derretiam lentamente a maquiagem.
Talvez a sua partida tenha sido um sinal para que eu possa finalmente caminhar com minhas próprias pernas e entender que tudo bem ter momentos solo.
Por que você teve que partir? É algo que me pergunto todas as vezes que me pego pensando nas inutilidades que a gente conversava enquanto voltávamos para casa, como o quão bizarro é um avião flutuar com todo aquele peso, ou como o mar não vaza pelas bordas, sendo que tem uma capacidade absurda de metros cúbicos.
Coisas que eu só pensava ao seu lado e que agora caíram no esquecimento. Minha cabeça está ocupada em pensar somente em por onde você se encontra.
Te procuro em vários lugares, mas tudo o que venho encontrando sou eu mesma, e acredito que isso seja uma coisa boa até.
Quem sabe um dia eu passe a me encontrar cantando novamente para os pombos, para os idosos e para quem realmente possa querer me ouvir.
Me encontro por todos os lugares e percebi que não devo isso a você mais. Eu devo a mim mesma. Desde que você partiu eu tenho descoberto coisas novas sobre mim e essa é uma parte que não vai partir nunca.
Não estou agradecendo pela sua partida, inclusive, eu lamento muito cada segundo que poderia ter passado a mais ao seu lado e não consegui, mas estou celebrando uma nova fase que em que posso me colocar como protagonista do meu próprio espetáculo.
Talvez eu volte a te procurar um dia, mas não com o intuito de depender de você para chegar onde preciso e quero, mas sim para agradecer por ter emudecido o seu canto por alguns instantes para que eu pudesse ouvir a minha própria voz.
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